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Reflexão sobre o lapso temporal entre a publicação da lc 187/2021 e sua regulamentação

A Lei Complementar n° 187/2021 entrou em vigor em 17 de dezembro de 2021, estabelecendo disposições fundamentais relacionadas à certificação das entidades beneficentes e aos procedimentos para o reconhecimento da imunidade das contribuições à seguridade social inserta no artigo 195, §7°, da CF/1988. No entanto, o processo normativo foi incompleto até 22 de novembro de 2023, quando o decreto regulamentador nº 11.791 finalmente foi publicado.

Esse lapso temporal entre a promulgação da lei e a sua regulamentação apresenta repercussões jurídicas relevantes, considerando os princípios constitucionais, as normativas que regem o direito administrativo, os posicionamentos doutrinários e a jurisprudência consolidada. No contexto constitucional brasileiro, a Constituição de 1988 estabelece a competência privativa da lei para dispor sobre qualquer matéria, cabendo aos regulamentos complementá-la para viabilizar sua execução.

O poder regulamentar do Presidente da República, conforme previsto no artigo 84, IV, da Constituição, é essencial para assegurar a efetividade das leis. Ao passo que, segundo Canotilho, o regulamento é uma norma secundária emanada pela administração, sem o poder de inovar no ordenamento jurídico, tendo caráter complementar da lei nos termos do artigo 84, IV, CF, que confere competência privativa ao Presidente da República para expedir decretos regulamentadores.

Diante da ausência de regulamentação, a doutrina reconhece a necessidade de garantir a eficácia das normas, especialmente quando estas versam sobre direitos fundamentais ou questões de interesse público. A jurisprudência, por sua vez, tem se manifestado no sentido de proteger tais direitos e assegurar a aplicação das leis mesmo na falta de regulamentação.

Entretanto, o lapso temporal entre a vigência da lei e a sua regulamentação pode gerar insegurança jurídica e incertezas quanto à sua aplicação. Nesse sentido, a demora na regulamentação pode prejudicar a efetividade das disposições legais, especialmente no que diz respeito à proteção dos direitos dos cidadãos e à promoção do bem comum.

No âmbito do direito administrativo, a falta de regulamentação pode impactar os procedimentos administrativos relacionados à certificação das entidades beneficentes e à concessão da imunidade de contribuições à seguridade social. Isso porque, sem regras claras e específicas, os órgãos administrativos podem enfrentar dificuldades na aplicação da lei e na tomada de decisões.

Portanto, é fundamental que o Estado cumpra sua obrigação de regulamentar as leis de forma tempestiva, a fim de garantir a segurança jurídica, a efetividade das normas e a proteção dos direitos dos cidadãos. A demora na regulamentação pode comprometer a realização desses objetivos e gerar prejuízos tanto para os indivíduos quanto para a sociedade como um todo.

No contexto específico da Lei Complementar nº 187/2021, é relevante notar que sua entrada em vigor se deu na data de sua publicação, conforme disposição expressa em seu artigo 48, aplicando-se suas disposições aos requerimentos de concessão ou renovação de certificação a partir da mesma data, conforme o artigo 40. Assim, a falta de regulamentação não pode suspender ou adiar a execução da lei, sob pena de violação do princípio constitucional da separação dos poderes.

Compreende-se, portanto, que a ausência de regulamento não impede a aplicação da Lei 187/2021 em sua integralidade no período em que pendia de regulamentação. No mesmo sentido, Carvalho Filho afirma que:

[…] se for ultrapassado o prazo de regulamentação sem a edição do respectivo decreto ou regulamento, a lei deve tornar-se exequível para que a vontade do legislador não se afigure inócua e eternamente condicionada à vontade do administrador. (FILHO; p. 55)

Quanto à aplicação retroativa da regulamentação posterior, é importante destacar que as regras contidas em normas posteriores não podem retroagir para alterar a interpretação de disposições pretéritas, em consonância com princípio constitucional da irretroatividade contido no artigo 5°, XXXVI, CF.

Ressalta-se neste ponto a lição de Justen Filho  que, ao discorrer sobre “a vedação à aplicação retroativa da regulamentação posterior”, afirma que “as regras contempladas em norma posterior ou que contemplem alteração da interpretação de disposições pretéritas não comportam aplicação retroativa”. Fulcro no princípio constitucional da irretroatividade inserto no art. 5°, XXXVI, CF.

Portanto, a ausência de regulamentação não pode ser usada como justificativa para a não aplicação da lei em vigor, devendo os destinatários da norma invocar seus preceitos quando necessário. E, ainda, As disposições contidas em legislação posterior ou que introduzam alterações na interpretação de normas anteriores não são passíveis de aplicação retroativa.


CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª. ed. 19, reimp. Coimbra, Portugal: Edições Almedina, 1941.

FILHO, José dos Santos C. Manual de Direito Administrativo. Barueri, SP: Grupo GEN, 2023. E-book. ISBN 9786559774265. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559774265/. Acesso em: 02 ago. 2023.

BRASIL. Lei Complementar Nº 187, de 16 de dezembro de 2021. Dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes e regula os procedimentos referentes à imunidade de contribuições à seguridade social de que trata o § 7º do art. 195 da Constituição Federal; […]. Brasília, DF: Presidência da República, 2021. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp187.htm. Acesso em: 10 abr. 2024.

BRASIL. Decreto n° 11.791, de 21 de novembro de 2023. Regulamenta a Lei Complementar nº 187, de 16 de dezembro de 2021, que dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes e regula os procedimentos referentes à imunidade de contribuições à seguridade social de que trata o § 7º do art. 195 da Constituição; […]. Brasília, DF: Presidência da República, 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Decreto/D11791.htm. Acesso em: 12 abr. 2024.

Débora Bitencourt Machado Andreazza

Advogada com especialização em Direito Tributário pela PUC-RS e em Direito Administrativo e Gestão Pública pela FMP, além de ser Administradora, Débora Bitencourt Machado Andreazza atua desde 2006 com ênfase no Terceiro Setor.

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